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terça-feira, 15 de maio de 2012

ANÁLISE SOCRÁTICA DOS TEMPOS ATUAIS, por FREI BETO

Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei:
'Não foi à aula?' Ela respondeu:

'Não, tenho aula à tarde'. Comemorei:
'Que bom! Então de manhã você pode brincar e dormir até mais tarde'.
'Não', retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã... ' 'Que tanta coisa?', perguntei. '
Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina', e começou a elencar seu programa de garota robotizada.
Fiquei pensando:

'Que pena, a Daniela não disse: 'Tenho aula de meditação!'
ESTAMOS CONSTRUINDO SUPER HOMENS E SUPER-MULHERES, TOTALMENTE EQUIPADOS, MAS EMOCIONALMENTE INFANTILIZADOS.
Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias!
Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito.

Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos:     

'Como estava o defunto?'.
'Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!' Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?

A palavra hoje é 'entretenimento' ; domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva.
Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela.

COMO A PUBLICIDADE NÃO CONSEGUE VENDER FELICIDADE, PASSA A ILUSÃO DE QUE FELICIDADE É O RESULTADO DA SOMA DE PRAZERES:

'Se tomar este refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!'
O problema é que, em geral, não se chega!
Quem cede, desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.

O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista.
Assim, pode-se viver melhor. Aliás, PARA UMA BOA SAÚDE MENTAL, TRÊS REQUISITOS SÃO INDISPENSÁVEIS: AMIZADES, AUTO-ESTIMA, AUSÊNCIA DE ESTRESSE.

HÁ UMA LÓGICA RELIGIOSA NO CONSUMISMO PÓS-MODERNO:
Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping Center.
     

É CURIOSO: a maioria dos shoppings centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo.
E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...

Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista.
Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas.

Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus.
Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório.
Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno...
Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hamburger do Mc Donald...

Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas:

'Estou apenas fazendo um passeio socrático.'
Diante de seus olhares espantados, explico:

'Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: -

"ESTOU APENAS OBSERVANDO QUANTA COISA EXISTE DE QUE NÃO PRECISO PARA SER FELIZ!"

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